Depois de um dia inteiro na rua, vendo o desespero dos vizinhos que viam o rio Taquari avançar, a monitora de educação Alicia da Silva Farias, 21, sabia que não poderia ficar em casa, de braços cruzados. Quando a água baixou, foi hora de manter a serenidade, se organizar e ajudar quem mais precisava.
“Querendo ou não, todo esse trabalho de voluntariado foi muito por questão de sentimento e emocional, sabe?”. Alicia mudou-se para Estrela ainda criança, com sete anos. Desde então, mora no mesmo bairro e é ativa na comunidade, atuando também como catequista. Além disso, trabalha em duas escolas do município.
De imediato, ela e outras voluntárias organizam almoços para quem trabalhava na limpeza das casas. A divulgação era feita por meio das redes sociais, o que logo fez com que mais pessoas procurassem por ela, tanto para receber, quanto para oferecer ajuda.
“Tiveram casos que eu liguei para famílias que tinham sido atingidas e perguntei o que precisavam. Então fazia sacolas com roupas, alimentos, e ia até a casa da pessoa. Muitas não tinham condições de buscar”, lembra.
Quase um mês depois, Alicia ainda recebe doações em casa e organiza a distribuição. Um grupo de voluntários de Gravataí segue como um dos mais ativos. “Muita gente ajudou de ‘longe’ pois teve que voltar a trabalhar. Muitas pessoas, com certeza, se pudessem, estariam ajudando também.
Eu represento 1% de tantas pessoas que foram voluntárias e ajudaram as comunidades. São milhares de relatos de bondade. Temos que mostrar que existe gente boa, existe solidariedade nesses momentos”.
Entre rodos e vassouras
Quem não pode ajudar com doações ou preparação de alimentos se dedicou às limpezas de casas atingidas. Viviane de Fatima Molina Schmitt, 41, passou toda a semana depois da enchente entre rodos, vassouras e lava-jatos. Moradora de Estrela há 23 anos, ela não teve a casa atingida, mas não mediu esforços para ajudar quem mais precisava.
“Eu já morei no Oriental, em lugar que vai enchente. Na quinta-feira, 7, quando cheguei no bairro, eu chorava junto com os moradores. Nos abraçamos e choramos juntos”, conta. Fiel da Igreja Jesus Cristo dos Últimos Dias, Viviane ajudou também os amigos da comunidade, muitos deles imigrantes venezuelanos.
Membros da mesma igreja de Caxias do Sul e Santa Cruz do Sul vieram para ajudar. “Foi uma coisa bem legal e conseguimos ajudar. Eu, minha irmã e mais dois missionários da igreja conseguimos ajudar a limpar seis locais”, lembra. Ainda hoje, Viviane mantém ativa a caridade, organizando doações para famílias que perderam tudo durante a enchente.
Empatia
Venilda Machado Coelho, 63, também se juntou aos voluntários. Os primeiros dias, no Cristo Rei, ajudou a prepar alimentos. Depois, passou a entregar ranchos e materiais de higiene. Professora aposentada de Estrela, conta que também distribuiu roupas às crianças da Emei Estrelinha, no bairro dos Estados. “Eu pensei em ser voluntária, porque sou aposentada, pensei em fazer alguma coisa”.
Venilda conhece muitas famílias que foram atingidas no bairro das Indústrias e que, volta e meia, um aluno vinha conversar. Professora na escola Leo Joas por muitos anos, encontrou muitos ex-alunos. “Eles vinham me abraçar, dizer que tinham perdido tudo”, recorda.
No período em que ficou disponível para ajudar, recebeu famílias e pessoas idosas que choravam. “A gente não sabia o que dizer, mas ao mesmo tempo, dávamos um abraço e dizíamos que tudo iria passar”.
As doações, conta, vieram em peso. Em especial as roupas, muitas vezes, ainda com etiqueta. Além disso, ela trabalhou ao lado de voluntários de outras cidades, como Porto Alegre, assim como os militares de São Gabriel – alguns, alunos dela no passado.
Apesar dos dias mais críticos terem passado, o cenário ainda é de reconstrução. Venilda ainda recebe doações em casa e repassa para as famílias e escolas da cidade.