“Já morreram quase 300 frangos”, conta o produtor de aves Elton Heirmann. Com perdas no campo, morte de animais, prejuízos às empresas e nas cidades, a recorrente falta de luz causa um cenário de apreensão entre a comunidade. A situação se agrava diante da dificuldade de contato com a concessionária responsável, a RGE, e dos danos registrados devido aos temporais.
Morador de Linha Geraldo Baixa, Heirmann é um dos vários produtores rurais prejudicados com as falhas no abastecimento de energia em Estrela. Foram quase 24 horas sem luz, entre as tardes de segunda-feira e terça-feira. Mais de dez protocolos foram feitos na RGE, concessionária responsável pela distribuição, para comunicar a falta de energia.
“Consegui ligar para o 0800 até que uma pessoa me atendeu, pois antes eram só ligações gravadas. Expliquei a situação, e o atendente disse que havia muita demanda e que ficaria marcado o atendimento para a primeira hora da manhã, o que não ocorreu. E o nosso frango sofrendo. Muitos já morreram. Foram 272” relata o produtor.
Diante do descaso com os moradores, o governo de Estrela novamente notificou a concessionária de maneira extrajudicial. A exigência foi de reestabelecimento imediato nos limites da cidade. “A cada vento temos que lidar com uma situação de falta de luz. Isso se repete com muita frequência e causa até falta de água. Na quarta-feira, após a tempestade, apenas 30% da cidade tinha energia elétrica”, afirma o prefeito em exercício, João Carlos Schäfer.
Prejuízos
Na área econômica, quedas de energia elétrica também representam um baque para municípios e empresas. A Hassmann, de Imigrante, ficou sem luz por 18 horas, entre o fim da tarde de domingo e a manhã de segunda-feira. Devido à queda de um galho de árvore, houve o rompimento de um fio que ocasionou o apagão.
“Por falta de manutenção na rede de podas e postes ruins, seguimos tendo problemas. E a enchente piorou muito a situação da rede de energia”, comenta o gerente comercial da empresa, Augusto Hassmann. Segundo ele, a empresa fica “de mãos amarradas” em episódios como este e esperam por soluções imediatas da concessionária.
Mobilização regional
A cada ano, o Vale enfrenta problemas com as falhas na prestação do serviço, sobretudo na área de cobertura da RGE. As reclamações se repetem, ainda que a empresa tenha executado melhorias nas redes de energia recentemente. Por isso, líderes regionais e entidades pretendem novamente pressionar por investimentos a curto, médio e longo prazo.
A primeira mobilização mais efetiva deve partir dos prefeitos. Ainda esta semana, a Associação dos Municípios do Vale do Taquari (Amvat) deve reunir diretoria para discutir ações. A ideia, segundo o presidente Jarbas da Rosa, também prefeito de Venâncio Aires, é buscar uma audiência com a RGE em fevereiro.
Presidente do Conselho de Desenvolvimento do Vale do Taquari (Codevat), Luciano Moresco participou de forma ativa, em 2022, da mobilização que resultou na apresentação de um amplo pacote de investimentos por parte da RGE. Lembra que, na ocasião, houve avanços importantes, mas entende ser necessário um novo movimento da sociedade.
A estratégia, para Moresco, deve seguir o exemplo de dois anos atrás, quando o grupo buscou apoio do Ministério Público. “Quando se colocou a figura do procurador-geral, deu outro peso ao enfrentamento. Pedimos uma audiência com urgência e vamos encaminhar e-mails para todas as prefeituras do Vale para que informem os problemas com energia elétrica, seguindo um modelo que deu certo naquela ocasião”, afirma.
Mais de uma década
- 2011: Constantes reclamações no abastecimento e manutenção da rede elétrica pautam reuniões entre prefeitos da região e diretoria da AES Sul;
- 2012: Pressionada, diretoria da AES Sul anuncia investimento de R$ 17 milhões para melhoria do serviço na região, com construção de subestações de energia elétrica; Mesmo com a garantia da concessionária, empresários da região, por meio da CIC Vale do Taquari, mobilizam entidades em busca de apoio para atendimento das demandas;
- 2014: Após novos problemas no fornecimento, líderes regionais vão à Assembleia Legislativa para cobrar, da AES Sul, investimentos e planos para garantir o abastecimento de energia;
- 2016: Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) anuncia acordo para compra da AES Sul, em uma negociação bilionária. No mesmo ano, RGE promete investimento de R$ 1 bilhão, inclusive em municípios do Vale do Taquari;
- 2017: Ano começa com transtornos para produtores de Santa Clara do Sul, que ficam mais de 30 horas sem luz. Em outubro, após temporal que devastou municípios, energia demora para voltar em diversos pontos. Produtores de leite estão entre os mais afetados;
- 2019: Procon entra em ação e convoca RGE para esclarecimentos devido a quedas constantes. Produtores vão à Justiça; Pressionada, RGE entrega plano de investimentos e promete melhorias ao longo do ano;
- 2020: Campo sofre com as sucessivas quedas de energia, em meio a um período de estiagem severa em todo o Vale e também começo da pandemia de covid-19;
- 2021: Prejuízos se multiplicam no interior, sobretudo em Arroio do Meio. Líderes regionais, com apoio da Amvat e do Codevat, cobram RGE, que apresenta novo plano de melhorias;
- 2022: Só entre janeiro e março, são pelo menos 15 reportagens no A Hora que tratam da falta de energia elétrica na região. Em cena marcante, produtores jogam leite na fachada da concessionária; Pressão regional surte efeito e RGE anuncia pacote de investimentos de R$ 430 milhões à região, com promessa de aplicação até 2026.