Um ano depois de uma das maiores enchentes da história do Vale do Taquari, que atingiu a marca dos 28,49 metros no Porto de Estrela, população e autoridades ainda se preocupam com a possibilidade de novas inundações. Apesar de ter servido como modelo, a última grande cheia mostrou a fragilidade do sistema de medição e de alerta, dificultando o trabalho prévio e também o resgate rápido das famílias ilhadas.
Os aposentados Neuza Correa Acosta, 73 anos, e Esmeraldo Soares Acosta, 76, vivem há três anos em Bom Retiro do Sul e já enfrentaram a fúria do Rio Taquari. Neuza conta que a água subiu de repente, impedindo qualquer ação por parte das autoridades ou familiares. “Quando vimos, a água já estava aqui no pátio. Perdemos quase todos os móveis, e as galinhas e porcos. Não conseguimos salvar quase nada”, lembra. Ela e o marido se abrigaram no segundo piso da casa do filho, cem metros distante.
Quase no teto
O pescador de Estrela, Saul Severo Primo, de 65 anos, recorda do dia em que a água chegou quase ao teto do primeiro piso de sua casa. Acostumado com as águas, Primo conseguiu salvar móveis e eletrodomésticos, mas viu muitos vizinhos perder tudo. “Depois de colocar em ordem aqui em casa, saí para ajudar, mas a velocidade da cheia impediu que fizéssemos mais”, conta.
Era um ir e vir até o final da rua para ver o nível do rio. Mesmo assim, Michela Carvalho dos Santos, de 37 anos, e os vizinhos de Colinas foram surpreendidos pela água. A enchente nunca havia chegado àquele ponto, então a sensação era de tranquilidade. “A água veio por dois pontos diferentes até se encontrar. Eu estava grávida e a gestação de risco não me permitiu esforço. Além disso, meu filho Calebe, de 9 anos, é deficiente e meu marido, na época, não estava em casa. Acabamos por perder tudo”, disse a auxiliar de indústria. Depois de um ano, a situação mudou. Com a ajuda da comunidade, mãe e filho conseguiram mobília e ajuda para reparos na casa.
Novos equipamentos e qualificação
A perda de sinal de telefone durante a enchente de 8 de julho de 2020 foi um dos problemas relatados pelas defesas civis do Estado. Isso dificultou o monitoramento e, consequentemente, o trabalho desenvolvido pelos agentes. Comum em equipamentos eletrônicos, cuja transmissão de dados é feita em tempo real, os baseados na tecnologia GPRS apresentam ainda mais instabilidade.
Conforme o gerente de Hidrologia e Gestão Territorial da Superintendência Regional de Porto Alegre do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), Franco Turco Buffon, a estação de Estrela passou por modernização este ano. Ela migrou da tecnologia baseada em telefonia móvel para uma com transmissão via satélite. “Apesar de não ser imune à perda do sinal, a transmissão via satélite fornece maior segurança na transmissão e no recebimento das informações em tempo real”, afirma.
Também houve recalibração de sensores e pluviômetros em todos os pontos de monitoramento operados pela CPRM. Além disso, são planejadas a modernização de outros pontos já existentes. “Não foram incluídos mais locais de monitoramento pela CPRM, mas estamos em contato com as defesas civis dos municípios da bacia do Taquari para que verifiquem essas necessidades. No caso de instalações futuras, eles serão orientados”, explica.
Equipes treinadas
Como forma de aumentar a segurança, Buffon explica que a CPRM busca viabilizar a capacitação das equipes nas cidades. A ideia é ter pessoas treinadas a gerar os dados por meio dos equipamentos convencionais, como pluviômetros e réguas. “Durante as eventuais perdas de sinais ou defeitos que possam ocorrer, teremos pessoas habilitadas para monitorar”, salienta.
Comunidade deve estar atenta
Em Estrela, a instalação de novos pluviômetros auxiliarão no monitoramento do nível do Rio Taquari. Conforme o coordenador da Defesa Civil (DC), Lindomar Puno, a leitura das réguas é feita via satélite e o nível é divulgado a cada 15 minutos. “Isso ajuda a dar uma resposta mais rápida à comunidade. Se mantermos o padrão de funcionamento, conseguiremos trabalhar com mais eficáfia”, afirma.
Mas não são só os equipamentos que auxiliam. As redes sociais e os meios de comunicação são ferramentas importantes para divulgar a elevação das águas e o bloqueio de ruas. Por isso, a comunidade deve estar atenta às solicitações da Defesa Civil. “Quando o rio atinge a cota de 21 metros, a população precisa atender ao chamado da DC e não insistir em permanecer em sua residência. Em determinado momento, não conseguimos chegar com caminhão e embarcações no local.”
Ribeirinhos
O coordenador da Defesa Civil na época da cheia, Sandro Bremm, ressalta a importância dos munícipes observarem os locais de ocupação, pois tem casas na beira de arroios e rios que podem desabar no afluente. “Além disso, são Áreas de Preservação Permanente, passíveis de multa. São lugares que a comunidade precisa evitar. Parar o rio a gente não consegue, mas vamos trabalhar ao máximo para conseguirmos evitar estragos muito grandes”, afirma.
Em Colinas, enchente serviu de modelo
A comandante dos Bombeiros Voluntários de Imigrante e Colinas (Imicol), Caroline Hauschild, relembra as dificuldades enfrentadas durante a enchente. Com escassez de material, não tinham barcos e precisaram usar bote de borracha para auxiliar a comunidade. “A operação era muito grande para poucas pessoas. Eu e meus colegas estávamos em treinamento para nos tornarmos bombeiros e tivemos que ajudar. Na época, tinham só três voluntários. Até a corporação de Teutônia veio auxiliar”, conta.
Hoje, 16 bombeiros atuam como voluntários no Imicol. A comandante ressalta que ninguém tinha noção dos estragos que uma enchente desta proporção teria em Colinas. Para ela, houve falha na comunicação, já que a Defesa Civil de Estrela afirmava que a água não chegaria até a área urbana, mas os bombeiros de Colinas observavam que sim. “A partir de 9 de julho de 2020, o município começou a escrever sua história. Agora, trabalhamos cada vez mais na integração entre as defesas civis e bombeiros para não acontecer mais isso”, afirma.
Sede própria em Imigrante
Com isso, Colinas instalou 14 réguas e um sistema com oito câmeras distribuídas em pontos estratégicos da cidade. Além disso, adquiriu barcos e coletes salva vidas. A ideia, agora, é fazer um mapeamento de onde a água atingiu e os moradores mais afetados, para que a remoção das famílias seja mais rápida. “Também queremos uma equipe de busca e salvamento para atuar especificamente nestes casos”, pontua. Até o final do ano, o Imicol deve se mudar para uma sede própria, em Imigrante.
Ações que podem reduzir transtornos
O Estado implantou 25 comitês de bacias que fazem a gestão descentralizada e participativa das águas dos rios e arroios que correm no território gaúcho. O órgão deliberativo é ligado ao Conselho Estadual de Recursos Hídricos. O Comitê da Bacia Taquari e Antas é formado por 120 municípios que estão parcial ou integralmente na bacia. As cidades possuem integração total e as reuniões são acompanhadas por vereadores, prefeitos, secretários municipais e integrantes das sociedades de água.
Conforme o vice-presidente do Comitê, Júlio Salecker, existe um Plano de Bacia Hidrográfica que atua no diagnóstico, prognóstico e nas ações a serem feitas para melhorar os problemas identificados durante a fase inicial do projeto. “Os Rios Taquari e Antas sofrem com a estiagem e enchentes, além de ter problemas na qualidade da água por conta da carga orgânica e de esgoto que chegam no rio. Neste plano é definido quais as obras estruturantes que precisam ser feitas para evitar casos de enchente”, conta.
Algumas ações:
– Proteção das matas ciliares;
– Eliminar áreas urbanas da cota de inundação
– Fazer obras de contenção de água dentro da barragem, nas nascentes do rio. “Isso segura a água no período de chuva para liberar na seca. É algo que tem em Capingui nas nascentes do rio Guaporé, por exemplo, e que pode ser espelhado aqui. O melhor uso do solo também auxilia ao fazer terraceamento e açudes”, sugere Salecker.