Jornal Nova Geração

NEVASCA NO CHILE

“Foram os dias mais intimidadores da minha vida”

Uma semana após retorno ao Brasil, morador de Estrela relembra momentos de tensão vivenciados na região da Cordilheira dos Andes. Turistas gaúchos ficaram 12 dias retidos no Chile

Acompanhado de esposa e filha, Gerson Henrich da Silva aproveitaram paisagem chilena antes dos momentos de tensão (Foto: Arquivo Pessoal)

Sentado no centro da carroceria de um caminhão do exército chileno, com braços abertos de apoio à esposa e sua filha de seis anos, Gerson Henrich da Silva desceu a vertiginosa estrada de Los Caracoles em meio a uma das maiores nevascas já registradas na região da Cordilheira dos Andes nos últimos 50 anos. A experiência de 12 de junho marcou o término de um ciclo de quatro dias retiros na fronteira entre a Argentina e o Chile.

“A falta de informação nos atormentou. Foram os dias mais intimidadores da minha vida, senti medo pela minha filha, pela tensão, por não ter comida e estar condições climáticas extremas. Temi pela saúde dos colegas de viagem, pois a maioria eram idosos. A falta de informação nos deixa desguarnecidos, perdidos e sem saber o que fazer”, desabafou o morador de Estrela.

Devido à forte nevasca, acamada de gelo superou um metro de altura e bloqueou a rodovia Rota 60 em diferentes pontos, inclusive no interior da cidade argentina de Mendoza. A chegada ao Brasil, prevista inicialmente para o dia 14, só concretizou – com nove dias de atraso – no sábado passado.

Do “presente” à tensão

Ele e outros 33 turistas do Vale do Taquari – sete de Estrela e a maioria de Teutônia – pegaram a estrada em 5 de junho. O grupo passou por Mendonza e, no dia 9, estava a caminho de Santiago do Chile, onde ficaria por quatro dias. “O cenário era lindo quando começou nevar, era o que nós mais sonhava em encontrar na viagem: a queda de neve. Festejamos aquela quantidade de nevasca como um ‘presente’, não imaginávamos a dimensão do que estava acontecendo”, conta Silva, ao relembrar a tarde em que foram parados em uma alfândega da região de Paso de Los Libertadores, próximo do túnel internacional Cristo Redentor.

Depois de 36 horas sem alimentação, brasileiros foram servidos com um xícara de sopa (Foto: Arquivo Pessoal)

Posteriormente, eles foram informados que a passagem seria bloqueada até o dia seguinte. Foi prometido uma janta para as próximas horas e um lanche pela manhã. “Até então, a parada estava servindo para aproveitarmos o cenário. Mas, quando a janta de sábado e o lanche de domingo não foram servidos, me preocupei”, relata. O dia 10 foi de tentativa por comunicação com as autoridades da Aduana e, também, com a cúpula do Brasil, devido à falta de alimentação e temperaturas que chegaram aos -18°C. “O pavor tomou conta na noite, quando vimos chilenos retidos em espaços climatizado e com alimentação, enquanto avistamos argentinos em situação de tratamento similares as de nós brasileiros turistas e caminhoneiros”.

Foram 36 horas sem alimentação, até receberem uma sopa, com muito molho e poucos ingredientes, servida em uma xícara. Silva solicitou um pão para sua filha e foi surpreendido pelo funcionário da Aduana, que lhe entregou seu próprio sanduíche. “Eu recusei, mas ele insistiu. Foi um gesto que me tocou muito”, se emociona.

Alívio pós-resgate

No dia 12, a informação que seriam levados para Santiago, em caminhões militares, amedrontou o grupo brasileiro. Além dos riscos da viagem, existia o temor pelo tratamento. A recepção na base de Los Andes, entretanto, foi confortante. “O exército humanizou a situação. Fomos recebidos com alimentação, presentes e homenagens”, conta. O restante do percurso se deu em ônibus de turismo.

Na Capital chilena, eles foram bem acomodados em hotel. No dia 14, alguns passeios foram promovidos em Santiago. “A partir do dia 15, ficamos no hotel aguardando sinal de retorno”. Depois de seis dias, o retorno foi possibilitado. A retomada iniciou dia 21, por volta das 5h30min, e foi finalizada às 6h30min de sábado, 23. Os 2,3 mil quilômetros, de Santiago a Teutônia, foram percorridos em 49 horas.

“Volto uma pessoa melhor”

Para Silva, as atitudes de solidariedade são os principais legados absorvidos do período. Uma das lembranças foi o banho que pode tomar, no terceiro dia retido na Aduana, em alojamento oferecido por um servidor da concessionária que administra a rodovia. “Depois de três dias, tomar um banho renova as energias, aquece o corpo, mas também o nosso coração. Quero manter esses gestos vivos na lembrança da minha filha como legado e valores a serem seguidos. Eu volto uma pessoa melhor. A solidariedade foi a marca dessa viagem, principalmente do nosso grupo”, reflete.

Devido à nevasca histórica, a camada de gelo superou um metro de altura e bloqueou a rodovia Rota 60 em diferentes pontos (Foto: Arquivo Pessoal)
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