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Formar e manter professores atuantes desafia poder público e instituições de ensino

A partir da necessidade de absorver mão de obra na área da educação, cenário de pouca procura pela formação em licenciaturas e magistério se torna obstáculo para montagem de equipes

Foto: Karine Pinheiro

Contratar e manter professores nos quadros das escolas públicas se apresenta como um dos grandes objetivos dos gestores na área da educação. Às vésperas do início do ano letivo, estado e municípios mobilizam forças para garantir atendimento aos estudantes. A crescente demanda por vagas e a consequente ampliação de estruturas, físicas e curriculares, aumenta também a necessidade por profissionais. Em nível estadual, existe a projeção de um novo concurso para contratar 3 mil professores, após a nomeação de 1,5 mil servidores da concorrência que ocorreu no ano passado. As nomeações dos profissionais devem ser concluídas até 2026. Ao mesmo tempo, o governo tenta viabilizar vagas para 9 mil professores e servidores no formato emergencial. A região da 3a Coordenadoria Regional de Educação (CRE), que abrange os seis municípios de cobertura do Jornal Nova Geração, tem um desafio específico no início de 2024, que é organizar as escolas que passam a ter ensino médio em tempo integral. Duas delas são na microrregião: Nicolau Müssnich, em Estrela, e Reynaldo Affonso Augustin, em Teutônia. Em nota, a CRE destaca que “existem algumas demandas que já estão sendo supridas, principalmente devido a vacâncias e também em virtude de alteração de matrizes curriculares e da expansão do Ensino Médio em Tempo Integral.
Estão sendo chamados profissionais por meio de contratos temporários para suprirmos essa possível demanda”.

Dificuldade nos municípios

A definição do quadro de professores para o início do ano letivo também se torna um desafio para a rede municipal de Educação em algumas cidades. A Secretaria de Educação de Bom Retiro do Sul busca o preenchimento de 45 vagas. Na tentativa de sanar o deficit nas equipes de ensino, a pasta chamou mais de 70 docentes, que não deram seguimento ao processo. Para tornar a etapa de contratação mais atrativa, o município desenvolveu e aprovou plano de carreira que
deve ser implementado neste mês. Diante da situação, a pasta se movimentou para garantir que o ano letivo de 2024 iniciasse com o quadro completo. No entanto, na avaliação da secretária Martinha Maria Dullius, o cenário deve se agravar nos próximos anos. “Sabíamos que vinha esse desafio, porque quase não tem mais professor. Estamos percebendo que professor vai se tornar uma profissão cada vez mais rara. Em alguns processos seletivos, temos cerca de três inscritos e nossa necessidade é maior”, aponta a secretária. Como forma de solucionar o problema, a Secretaria de Educação cogita a elaboração de edital para concurso público, mas sem confirmação.

Concurso como solução

Na contramão de municípios que precisam buscar profissionais em processos seletivos, administrações que
possuem bancas de concursos públicos vigentes ainda não passam pela dificuldade de encontrar docentes para
compor as equipes. Em Estrela, por exemplo, mais de 70 professores foram nomeados nos últimos três anos.  A secretária Elisângela Mendes explica que as vagas ficam abertas somente em casos de exoneração, aposentadoria ou abertura de novas turmas, até que novos docentes sejam nomeados. Ela também destaca que há banca para contratações emergenciais. “Esses vínculos ocorrem em caso de substituição, como licenças-maternidade, saúde e prêmio. São profissionais que fazem parte do quadro da educação de forma temporária”, esclarece. O cenário é semelhante em Imigrante, que fez concurso público para professores durante o mês de novembro. A expectativa do município é ter o quadro completo no início das aulas. “Estamos na fase de nomeação. Temos alguns entraves burocráticos que devem arrastar o processo, mas neste ano teremos uma equipe completa”, diz o secretário de Educação, Carlos Lutterbeck.

Em busca da estabilidade

Além de apontar menos rotatividade nas equipes docentes, a nomeação via concursos também representa estabilidade para os professores. Nomeadas pelo governo do Estado durante o mês de janeiro, Alessandra Lopes e Ana Caroline Vargas ressaltam que devem seguir com as mesmas turmas e disciplinas de quando eram contratadas pela rede estadual. “Além de uma segurança financeira, temos estabilidade no cargo. Mesmo que os contratos sempre fossem renovados, não tínhamos nenhuma garantia relacionada à continuidade da escola”, relata Alessandra, professora de Química. Ela e Ana Caroline, que estudaram juntas no Ensino Médio e na graduação, assinaram juntas as posses dos cargos na 3a Coordenadoria Regional de Educação, em Estrela.

Formação degradada

O reitor honorário da Universidade de Lisboa, em Portugal, e ex-embaixador da Unesco, António Nóvoa analisa o que chama de “apagão” na formação de novos professores, que não é um problema exclusivo do Brasil. “A Unesco considera que faltam no mundo cerca de 60 milhões de professores, o que é um número absurdo.” Para ele, existe um desinteresse geral em relação aos cursos de licenciatura. Um dos fatores atribuídos por Nóvoa é um desânimo nos profissionais que já atuam na área. “Os
professores não têm grande controle sobre sua profissão, não são eles os produtores do trabalho. Isso gera um desgaste, um cansaço”, pondera. O português cita uma “moda” implementada no país europeu, que vai ao encontro dos questionamentos se haverá professores no futuro ou qual o papel da inteligência artificial na educação. “Existem instituições que se apresentam
como escolas, mas não têm professores, são grandes centros cheios de computadores e plataformas, abertos 24 horas por dia. Uma coisa, para mim, impensável, que cria uma perturbação grande nos profissionais da educação.” Nóvoa aponta como um problema mais específico do Brasil, o que chama de “grande degradação” na formação de professores. Ele apresenta números sobre a evasão nas licenciaturas em universidades federais brasileiras que estão na faixa dos 50%. “Isso é um desperdício de recursos públicos, da universidade e um desperdício de vidas impressionante”, diz. “Hoje, mais de 80% dos alunos das licenciaturas estão em cursos a distância, de muito fraca qualidade. E as universidades públicas, que são boas, não souberam criar programas de formação de professores suficientemente robustos, para se tornarem um padrão e não permitir essa loucura que o Brasil está vivendo. Esses dois problemas criam uma situação muito difícil para atrair os jovens, para manter as pessoas dentro da profissão”, conclui.

“Estamos percebendo que professor vai se tornar uma profissão cada vez mais rara.” – Martinha Maria Dullius, secretária de educação de Bom Retiro do Sul;

ENTREVISTA PAULO GUSTAVO SEHN, mestre em educação

Paulo Gustavo Sehn

“O professor começa a se desmotivar no momento em que ele se compara a outras profissões”

Ao que você atribui a queda na demanda pela formação de professores?
Paulo Gustavo Sehn – Acredito que essa baixa procura pelos cursos de licenciatura ou até do magistério se deve a um conjunto de fatores. A própria desvalorização do professor é um deles. Não que ele ganhe mal, mas o professor começa a se desmotivar no momento em que ele se compara a outras profissões. E existe a constante necessidade de qualificação, com pós-graduações, mestrados e doutorados além da altíssima carga horária que não se resume somente à sala de aula, mas sim à preparação das aulas e busca por materiais que as complementem. Para ter uma ideia, o doutorado, para um professor da esfera pública, em algumas cidades dá 5% de aumento no salário. O valor que se investe no doutorado, não se recupera em salários. Acaba sendo um desprestígio da classe. O doutorado é para a vida, e não para agregar salário.

Quais são os obstáculos e desafios para a formação e permanência desses profissionais?
Sehn – O professor tem que ter um dom para estar junto de uma turma. Muitos têm formas mais tradicionais de dar aula, e hoje em dia, principalmente em função das tecnologias, a dificuldade é iminente. O que requer um amplo preparo do professor, para que ele consiga criar pontes entre ele e o aluno. A partir desse elo, tu passa a conseguir chegar até ele, para mobilizar ao aprendizado. É difícil conseguir, com métodos arcaicos, digamos assim, trazer assuntos que sejam do interesse ao do aluno. Não é o assunto, na verdade, mas a forma como ele chega até o aluno. A criatividade passa a ser uma premissa para uma aula atraente e, para isso acontecer, o professor precisa estar em constante formação. É uma roda: precisa formar
professores com metodologias avançadas, com teorias modernas, para que ele se sinta seguro em ir para a escola e oferecer uma excelente aula aos alunos. É desafiador também, mobilizar o aluno diante do mundo de informações que estão na palma da sua mão.

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