Obra aguardada pela comunidade, a ciclovia turística que liga três municípios da região toma forma em alguns pontos. Porém, o formato do espaço destinado ao uso da bicicleta tem desagradado usuários. Nas redes sociais, o descontentamento cresceu a partir da divulgação de imagens do trecho de Daltro Filho por parte do Executivo de Imigrante.
A construção da ciclovia iniciou em outubro do ano passado. A obra é custeada com recursos do Estado, por meio do programa Avançar no Turismo, e com contrapartidas dos municípios. Porém, na medida em que os trabalhos avançam, também cresce a frustração de ciclistas que utilizam o trecho, seja para o deslocamento casa/trabalho ou também para o lazer.
Um dos fundadores do grupo Vale Ciclismo, o servidor público Fabrício Meneghini frequenta o trecho há mais de dez anos. E é direto ao analisar a obra. “Para mim, é uma calçada de passeio, com concreto. É estreita e, em dias de chuva, ficará muito perigoso. Em qualquer lugar do mundo, a ciclovia é feita com asfalto e tem a divisória com os cocurutos”, argumenta.
Meneghini comenta que o grupo aguarda, há anos, pela obra, sobretudo para aumentar a segurança de ciclistas na rodovia. Porém, até o momento, o sentimento é de decepção. “Fizeram um grande anúncio para fazer aquilo. Ninguém achava que a ciclovia seria assim. Um modelo que nem de longe é o ideal”, sustenta.
Longe do esperado
Praticante do ciclismo há dez anos, Eduardo Wagner Costa pedala com certa frequência no trecho onde ocorre a construção da ciclovia. E ficou surpreso com a estrutura que está sendo preparada em Imigrante. Para ele, da forma como está, será prejudicial tanto aos grupos de ciclistas casuais quanto aqueles que treinam mais a sério.
“Na teoria, a ciclovia é um espaço separado da pista de tráfego, e o projeto até remete a isso. Mas precisa ter metragens específicas. Nesse caso, teria sido muito mais efetivo a implantação de um acostamento e feito uma ciclofaixa”, pontua. Na avaliação de Costa, o trecho de Imigrante tende a virar um caminhódromo semelhante ao existente na saída em direção a Colinas.
Divergência entre projetos
Com projetos independentes entre os municípios, a tendência é que a ciclovia não mantenha um padrão. Se o descontentamento dos usuários se dá pela implantação de trechos em concreto em Colinas e Imigrante, Estrela desde o início prevê uma pista somente com asfalto.
O prefeito de Imigrante, Germano Stevens, afirma que um estudo urbanístico foi feito para embasar o projeto técnico e aprovado pela Secretaria de Turismo do Estado. “A finalidade da ciclovia é lazer e turismo, sendo que ela está dentro das normas”, garante. Em nota, a secretaria afirma que “aguarda o momento determinado pela fiscalização para se pronunciar sobre o andamento da obra”.
Ele destaca que no perímetro urbano o espaço para ciclistas está junto à rua, com a devida sinalização. “O investimento na ciclovia tem necessariamente que ser proporcional à demanda de ciclistas, ao número de habitantes e adequada à receita do município onde ela está instalada.”
Maior parte asfaltada
Em Colinas, o prefeito Sandro Herrmann confirma que alguns trechos realmente serão em concreto. “Aproveitamos uma calçada existente, para não precisar refazer tudo.” Outra área, mais íngreme, também será feita em concreto, próxima ao limite com Imigrante, pela impossibilidade de acesso da máquina de asfalto.
O engenheiro do município, Rodrigo Bertolini da Rosa, explica que a maior parte do trajeto será em asfalto, e que na parte urbana a ciclovia será compartilhada com a passagem de veículos.
Já os responsáveis pelo trecho da ciclovia em Estrela ressaltam as diferenças entre o projeto da cidade para os outros dois. Os 7,7 quilômetros entre a ponte da Linha São José e o limite com Colinas serão totalmente asfaltados.
O fiscal da obra, Rodrigo Skrsypcsak, pontua que será feita uma base, com uma camada asfáltica por cima. Ele atribui à questão do local da ciclovia os formatos diferentes de projetos, que em Estrela passa apenas pela ERS-129. “Em parte essas diferenças são porque a rodovia é estadual somente em Estrela. Então utilizamos o padrão do Daer”, conclui.
Status da obra
A construção da ciclovia intermunicipal está em diferentes etapas em cada um dos municípios. Colinas e Imigrante contam com trechos onde a ciclofaixa, ao lado da pista de rolamento, foi implementada antes do início do projeto atual.
Na zona urbana de Imigrante, a área específica para ciclistas percorre a avenida Dr. Ito João Snel entre a rua 10 de Abril e a Metalúrgica Hassmann. A demarcação foi feita após a reforma da via, no fim do ano passado. No entanto, em alguns pontos o espaço para trânsito de bicicletas tem menos de meio metro em cada faixa. Em Colinas, o trecho começa na rua Parobé e segue em parte da estrada geral da Linha Ano Bom.
A obra nos dois municípios já conta com trechos consolidados, sobretudo em Imigrante, onde a construção da estrutura no trajeto entre o bairro Daltro Filho e o centro da cidade está na fase final. Colinas também implementou um trecho em concreto, próximo ao limite com Imigrante, enquanto prepara outros pontos para iniciar a colocação do asfalto.
Na área correspondente a Estrela, a retirada da vegetação começou em um trecho da Linha São José e segue nas imediações da saída para Colinas. Por ser um trecho na faixa de domínio pertencente ao Daer, o governo ainda aguarda pela desapropriação de alguns pontos.
Números da ciclovia
TRECHOS
7,7 KM – Estrela
9,4 KM – Colinas
11,6 KM – Imigrante
TOTAL – 28,7 km
INVESTIMENTO
R$ 4,8 milhões – Estrela
R$ 2,5 milhões – Colinas
R$ 4,7 milhões – Imigrante
TOTAL – R$ 12 milhões
ENTREVISTA – Carolina Fransozi – mestre em engenharia civil e professora da Univates
“Qualquer infraestrutura de transporte deve ter a função de promover segurança e conforto”
Jornal Nova Geração: No contexto da construção de uma ciclovia nas características do trecho intermunicipal entre Estrela e Imigrante, existe algum formato indicado?
Carolina Fransozi: É importante salientar que qualquer infraestrutura de transporte deve ter a função básica de promover segurança e conforto ao usuário. A partir disso, o projeto deve ser elaborado com um estudo da área onde será implementada a estrutura e levando em conta os aspectos sociais, ambientais e econômicos para viabilizar o projeto. Então, quando se projeta qualquer sistema, tem que se elencar, estudar e conhecer bem todas as variáveis, e todos os públicos e tipos de deslocamento que vão estar envolvidos.
Jornal NG: Você acredita que existe a possibilidade de mudanças profundas nos hábitos do trânsito e até dos próprios ciclistas?
Fransozi: Já é conhecida a prática do ciclismo na rodovia existente, o que acaba gerando um conflito entre os usuários, porque temos ciclistas e veículos circulando na mesma via e a operacionalidade desses dois modos é diferente. A partir desse novo, com a construção da ciclovia, que é uma nova situação física que se coloca, isso pode favorecer com que mais pessoas se sintam confortáveis para praticarem essa atividade física. Ela promove qualidade de vida, na qual as pessoas que praticam o ciclismo estão também de alguma forma interagindo com o ambiente. Ou seja, você pode deixar de andar de carro, que é um modo de transporte passivo, que gera impacto ambiental negativo, no sentido de poluição e emissão de gases nocivos à atmosfera e à saúde humana. A partir disso passa a ser incentivado a usar um modo de transporte ativo, onde além de não gerar impactos ambientais tu ainda melhora a qualidade de vida ao fazer esta atividade física.
Jornal NG: Como o impacto de uma estrutura deste tipo pode alterar o ambiente de determinada localidade?
Fransozi: Com uma infraestrutura adequada e mais segura há uma tendência de que mais usuários passem a ocupar essa via, justamente por ela ter mais condições. Chamamos isso na engenharia rodoviária de demanda reprimida. A partir do momento que passa a ter uma via dedicada para o ciclismo, mais usuários podem vir a utilizar este espaço e isso gera novas demandas para o entorno. Esses ciclistas vão necessitar de estruturas de apoio. Isso acaba se tornando um ciclo, no sentido de que uma coisa vai levando a outra. Penso que é um impacto que pode ser positivo, para gerar novas possibilidades para os moradores ou quem tenha áreas nas imediações desse trajeto.