Toda manhã, antes de começar as tarefas do dia, um morador de Lajeado de 22 anos toma dois comprimidos contra o HIV. Em 2020, ele recebeu um teste positivo para o vírus e, desde então, faz o tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), assim como mais de 2 mil pacientes atendidos pelo Serviço de Assistência Especializada em DST/Aids (SAE) de Lajeado.
Mesmo com acompanhamento mensal, consultas e exames de sangue, apenas alguns amigos sabem do diagnóstico. Além deles, a terapeuta e os médicos compartilham a informação. “Da minha família ninguém sabe. É uma batalha que trago sozinho, que tenho comigo dia após dia”, conta o paciente.
Após sentir alguns nódulos na virilha e fazer o teste rápido gratuito, por meio de coleta de sangue, o resultado positivo para o vírus veio com o medo da doença. Dois meses depois, já medicado, soube que era um paciente indetectável, incapaz de transmitir o HIV.
Com o diagnóstico e o tratamento precoce, o paciente não desenvolveu a aids ou outras doenças. Por outro lado, o sistema imunológico ficou mais fraco e os resfriados se tornaram recorrentes. “A única diferença é que, agora, faço a ingestão desses dois comprimidos diários. Mas minha vida segue normal, continuo trabalhando, fazendo atividade física, saindo”, conta o lajeadense.
Tratamento e qualidade de vida
Na década de 1980, quando o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) foi reconhecido, a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (aids) era considerada uma doença aguda que levava o paciente à morte de forma rápida. Hoje, a terapia antirretroviral, distribuída no Brasil de forma gratuita, possibilita melhor qualidade de vida às pessoas infectadas.
A aids é desenvolvida a partir do contágio do vírus HIV por via sexual, por meio de contato com sangue contaminado ou pela transmissão da mãe para o filho na gestação, parto ou durante a amamentação, e não tem cura. A infecção atinge o sistema imunológico e enfraquece as células CD4, responsáveis pela imunidade. Assim, o paciente fica mais vulnerável ao desenvolvimento de doenças oportunistas como tuberculose e meningite.
Pouca procura
De acordo com a 16ª Coordenadoria Regional de Saúde (CRS), que compreende os 37 municípios do Vale do Taquari, o total de casos positivos para o HIV na região é de 1.780, na contagem que começou em 2007 e é acompanhada pelo Sistema Nacional de Agravos de Notificação do Ministério da Saúde (Sinan).
Em 2020, foram 94 casos notificados e, em 2021, 144. Todo esse contingente é dividido em duas regiões, Estrela e Lajeado, cada uma atendida por um Serviço de Assistência Especializada em DST/Aids (SAE), que apoia tanto os pacientes que precisam de tratamento quanto as equipes de saúde das cidades atendidas.
Hoje o SAE Estrela atende 10 cidades e tem 711 pessoas cadastradas em seus serviços. “Temos crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos, de diferentes classes sociais, econômicas e formações”, conta a enfermeira Maria de Lourdes Wermann.
A coordenadora do programa de IST e HIV da 16ª CRS, Aline Marie Dabdab Abichequer, acredita que haja uma subnotificação dos casos apresentados pela coordenadoria, já que muitos pacientes não procuram os serviços de saúde para tratamento.
Desafios
Conforme a coordenadora do Sae Lajeado, Waldirene Bedinoto, desde 2012 todas as unidades de saúde possuem testes rápidos. Não é preciso marcar hora ou estar em jejum, e a espera pelo resultado é de 15 minutos. Mesmo assim, a procura pelo serviço ainda é considerada baixa.
“O que a gente tem visto, principalmente depois da pandemia, é que o quadro de diagnóstico tardio se agravou. As pessoas já vêm doentes para o serviço”, comenta Waldirene. Por outro lado, a profissional percebe que a procura de jovens adultos pelo serviço aumentou.
Em busca da cura
O primeiro caso de aids no Brasil foi notificado em 1983, em São Paulo, e a primeira droga contra o vírus foi aprovada em 1987. Hoje, 694 mil pessoas estão em tratamento da doença e, só em 2021, 45 mil novos pacientes iniciaram a terapia antirretroviral no país.
Em julho deste ano, os jornais noticiaram o caso de um homem que vive com HIV desde a década de 1980 que teve o diagnóstico de cura da aids. Conforme os médicos, ele recebeu um transplante de medula óssea para tratar uma leucemia e o doador era naturalmente resistente ao vírus.
Em 2011, Timothy Ray Brown, conhecido como o Paciente de Berlim, se tornou a primeira pessoa no mundo a ser curada do HIV. Outros três casos foram registrados nos últimos três anos.
Entrevista – Guilherme Campos • Médico infectologista
“Nos anos 80, o diagnóstico era sinônimo de morte. Hoje é possível controlar a doença”
A Hora – Quando a aids se desenvolve depois da infecção?
Guilherme Campos – O vírus começa lentamente a infectar o corpo e vai chegar um momento em que a imunidade vai estar tão baixa que vai apresentar os sintomas da aids ou das doenças que a acompanham. A síndrome vai estar ativa e pode evoluir rápido ou levar anos para apresentar sintomas. Tem mais a ver com a imunidade da pessoa do que com o vírus. Tem pessoas que possuem alterações na sua imunidade, inclusive, genéticas que favorecem esse combate contra o vírus.
Como é o tratamento hoje? E a vida de uma pessoa com aids?
Campos – Diferente do tratamento que se chamava de coquetel, que eram inúmeros comprimidos por dia, hoje o tratamento é feito geralmente com dois comprimidos uma vez ao dia, e essa pessoa vai conseguir ter uma vida normal. Ela consegue fazer com que sua imunidade volte ao normal depois que começou o tratamento e não existem limitações. A restrição vai ser de doação de sangue, orientação de relação sexual com preservativo. Ainda existem alguns cuidados extras com questões de saúde e vacinação, mas a pessoa não se torna doente.
O que mudou dos anos 80 para os dias de hoje?
Campos – Nos anos 80 o diagnóstico era sinônimo de morte. A pessoa podia se aposentar, inclusive, porque não tinha tratamento. Hoje a aids tem medicamentos que controlam a doença. Não conseguem eliminar de fato todo o vírus do corpo, mas conseguem eliminar boa parte e, com isso, a imunidade acaba ficando em níveis aceitáveis.
Temos, hoje, um tratamento efetivo e com pouco efeito colateral. Lá no início a quantidade de medicamento era enorme e de efeitos colaterais também. Hoje, o tratamento é tranquilo, as pessoas não precisam ter medo de procurar atendimento.