“Eu não tenho um problema. Quem tem um problema é o racista.” O DJ e dançarino Jéferson Luis Vidal aproveitou a semana do Dia da Consciência Negra, comemorado na próxima segunda-feira, 20, para voltar à Escola Estadual de Educação Básica Vidal de Negreiros, em Estrela, onde se formou. Ele falou com estudantes do Ensino Médio sobre cultura, trajetória e racismo.
Para ele, a luta será sempre para que pretos e brancos sejam vistos com as mesmas roupas e as mesmas profissões sem que isso gere comentários negativos. “Quando eles veem a gente de terno e gravata, isso incomoda”, aponta.
A data, que hoje já é parte dos calendários escolares, suscita não apenas a reflexão sobre a atualidade, mas também sobre o passado. O 20 de novembro foi comemorado pela primeira vez em 1971, em Porto Alegre. A criação foi do Grupo Palmares, associação que reunia militantes e pesquisadores da cultura negra brasileira.
No dia, em 1695, foi morto Zumbi dos Palmares, último dos líderes do Quilombo dos Palmares, o maior do período colonial. A ideia era espelhar a figura de Tiradentes, herói da Inconfidência Mineira, que já era objeto de feriado nacional desde 1965. Hoje, apesar de não estar no calendário nacional, mais de mil cidades pelo país dedicam um feriado a Zumbi.
A monitora de educação Adriana Vidal, mãe de Jéferson e moradora da comunidade de Novo Paraíso, também participou do evento. Apesar de lembrar de episódios de racismo contra ela na região, inclusive com violência policial, ela também ressalta que os avanços devem ser comemorados. “Do limão, a gente fez uma limonada. Hoje, pelo menos, não há o que não podemos fazer.”
Políticas públicas
O combate oficial às desigualdades raciais no Brasil tem cerca de uma década. A política de cotas para negros e pardos nas universidades públicas foi instituída em 2012. Dois anos depois, foi a vez das vagas específicas em concursos públicos.
O racismo foi tipificado como crime ainda em 1989, mas apenas na última década que os processos e condenações por esse tipo de conduta se tornaram mais comuns. Em janeiro de 2023, a lei de injúria racial ampliou situações e penas passíveis de punição com até cinco anos de prisão.
Para Jéferson Vidal, todas essas ações trazem a possibilidade de vida mais digna para pessoas pretas. “Cotas são necessárias para que os nossos filhos e netos tenham a chance de serem advogados, médicos, etc.”
O educador físico Denilson Joisson de Oliveira, de Bom Retiro do Sul, considera que as políticas públicas são indicativas de um futuro que permita a ascensão social de pessoas não brancas. “A gente sabe que não é fácil. A correria é muito grande. É necessário sim termos essa possibilidade para que possamos buscar uma vida melhor e uma sociedade mais justa”, pondera.
A professora e criadora de conteúdo Douglas Cardoso, também conhecida como Douglão, acredita que ainda há muito no que avançar no combate a todos os tipos de discriminação. Segundo ela, é necessário pensar não somente em quais ações os governos podem fazer, mas em quais pessoas criam essas políticas. “Não é válido querermos que a sociedade avance nessas questões e optarmos por apoiar candidatos que são, muitas vezes, a representação do retrocesso.”
ENTREVISTA
“O caminho da educação é um forte meio na luta contra o racismo”
Karen Daniela Pires – Professora doutora em História, Ambiente e Desenvolvimento
Jornal Nova Geração: Como se deu o processo escravista no Vale do Taquari?
Karen Pires: A introdução de escravizados na então Taquari deu-se com a produção lucrativa do trigo no início do século XIX. No território que hoje é Estrela existiam grandes proprietários de escravizados, por exemplo, os irmãos Teixeira. Como também, Antônio Vítor de Sampaio Menna Barreto, o fundador de Estrela. Houve um número bem expressivo de escravizados na região, o que demonstra que no passado não foram somente os descendentes europeus que fundaram o que se conhece atualmente como Vale do Taquari. A história do povo negro é presente e vai muito além do processo escravista.
NG: Após a abolição, em 1888, como mudou esse processo?
Karen Pires: Com a abolição, os negros libertos e livres ficaram sem o amparo do Estado. Não houve uma preocupação coma a inserção social e com a dignidade do povo negro. Para muitos, restou ocupar os espaços periféricos das cidades. Essa lógica ainda permanece, pois quando se fala em pós-abolição temos que considerar a situação até os dias atuais. Na região, houve a concessão de alforrias bem antes de 1888, o que mostra que uma boa parcela de homens e mulheres estavam livres e que de alguma forma tentavam meios de sobrevivência. Muitos continuaram com a prestação de serviços para os mesmos senhores por contratos de trabalho. A liberdade alcançada teve significados diferentes para ex-escravizados urbanos e rurais.
NG: Qual é o papel e a contribuição dos povos afro-brasileiros para o Vale?
Karen Pires: A população negra tem uma grande contribuição na história da região. Foram muitas as propriedades que exploraram a força de trabalho e os conhecimentos dessas pessoas, conhecimentos trazidos de África. O legado desses povos está em muitas partes do Vale do Taquari, seja em vestígios materiais ou nas memórias de descendentes. As comunidades quilombolas são fontes de sabedoria e dessas heranças africanas, mostrando na atualidade a força dos ancestrais e a braveza diante de todo o preconceito existente na região.
NG: De que forma as políticas públicas podem fazer justiça às violências cometidas ontem e hoje?
Karen Pires: Os privilégios dos brancos se baseiam nas diferenças de cor que surgiram no passado, e que se perpetuam. A partir da existência de políticas públicas, a população negra conseguiu cursar, por exemplo, o ensino superior, está produzindo pesquisas na pós-graduação, algo que impacta diretamente a produção de narrativas e a forma de contar a história do país. O caminho da educação é um forte meio na luta contra o racismo e na diminuição das desigualdades.