Jornal Nova Geração

NA HISTÓRIA DE ESTRELA

Memórias do Zigue-Zague: escadaria completa 80 anos

Escadaria ligava o centro da antiga vila ao rio. Na década de 60, local foi cedido à ampliação da Cervejaria Polar e o trajeto ficou interrompido. Hoje, com parte do caminho recuperado, município busca preservar origens e tornar espaço atração turística

Maria Noeli Finger passava pela escadaria todos os dias. O local também marcou o namoro com o marido Afonso Waldir Finger em na década de 50 e 60. (Foto: Bibiana Faleiro)

Barqueiros vindos do porto, viajantes com malas, comerciantes, professores e religiosos. Na década de 50, toda população estrelense conhecia a famosa escadaria Zigue-zague.

Ela ligava a chamada Rua da Praia do centro do vilarejo, e era passagem obrigatória para muitos moradores. Inaugurada em 9 de julho de 1942, a passagem completa 80 anos neste sábado. Para celebrar esse marco, a tarde de hoje, a partir das 15h30min, será de festa.

Muitas crianças da época lembram do caminho. Maria Noeli Finger, 82, morava com os pais em uma das casinhas da Rua Arnaldo José Diel, bem em frente à subida da escadaria. Ali, eles mantinham uma padaria e, toda semana, ela subia o morro de saibro e pedras com uma bandeja de doces. Era por ali que ela também passava para ir à escola.

“As pessoas vinham a cavalo até a Rua da Praia, as carroças do interior traziam produtos para vender na padaria, manteiga, aipim, feijão, verduras, e deixavam os animais nas árvores do lado para subiam pelo Zigue-zague até a igreja”, lembra Maria Noeli.

A escadaria também era o ponto de encontro dos casais. Na década de 50 e 60, era ali que a estrelense e o marido Afonso Waldir Finger namoravam. Os dois subiam e desciam as escadas e tiravam fotos, que ela guarda ainda hoje. O marido morreu há nove anos, mas ela lembra dos encontros e banhos no rio.

“Naquela época as meninas casavam virgens e ficavam namorando assim, na praça. Tem muita história. Guardamos muita saudade daquele tempo bom, um tempo que não volta mais”, destaca.

Maria Noeli foi professora e, aos 20 anos, quando casou, mudou-se para Porto Alegre. Em 1985, voltou à Estrela e, com outros antigos moradores, criou o grupo “Os barranqueiros do Rio Taquari”, para recordar as histórias da Rua da Praia.

Antes da construção

O Zigue-zague também era frequentado por viajantes. Entre eles, o professor e historiador Leônidas Erthal, que descia o morro para pegar o vapor em direção à capital. Ele conta que, apesar da construção da escadaria ter sido no início dos anos 40, o espaço já existia desde que a “Vila de Estrela” foi criada.

Ali, havia uma rua muito íngreme, a Treze de Maio, pouco habitada. Mas, com o tempo, os moradores começaram a cortar caminho e uma trilha em formato de “z” se criou.

“Em 1942, o então intendente Cláudio de Toledo Mércio usou uma das plantas que mandou fazer para criar ali um espaço mais agradável. O primeiro lance era com degraus, o resto era um calçamento”, recorda Erthal. Ele ainda lembra que uma das plantas previa, inclusive, um chafariz.

A obra do Zigue-zague

A escadaria ligava as ruas Treze de Maio e Arnaldo José Diel. Na parte superior, no cruzamento com a Pinheiro Machado, em frente ao Memorial de Estrela, foi construído um terraço, com uma das vistas mais bonitas para o Rio Taquari, como descreve o historiador Airton Engster dos Santos.

Ele conta que a escadaria era um dos locais mais utilizados pela população estrelense. Aquele era o percurso mais rápido para chegar ao rio. “Tudo era motivo para ir ao rio, desde lavar roupas, tomar banho, pescar, passear de barco e, principalmente, viajar”, destaca o historiador. Devido ao grande desnível, não era possível passar por ali com carroças ou calhambeques, apenas a pé.

Em meados dos anos 50, a escadaria passou por reforma, durante a administração do prefeito Aloysio Valentim Schwertner. Anos mais tarde, em 1962, parte do Zigue-zague foi cedida para ampliar a cervejaria instalada no local, com a promessa de gerar empregos. O município também recebeu o chafariz instalado na Praça Menna Barreto em 1966. Desde então, o acesso foi fechado.

Para comemorar os 103 anos de Estrela, em 1979, os moradores da Rua Treze de Maio ergueram um monumento no local, intitulado “Legítimo Cascalho do Rio Taquari”.

Em parceria com a administração, o Lions Clube de Estrela ajuda a preservar a escadaria, e manter o espaço limpo. Crédito: Arquivo Pessoal

Restauro

Por muitos anos, a escadaria ficou perdida entre a mata. Mas em 2021, o município iniciou um processo de recuperação da parte superior da escadaria. No aniversário de 145 anos da cidade, no ano passado, foram reformados o parapeito, o canteiro de flores e o monumento.

O projeto faz parte de um complexo cultural, que abrange o Memorial de Estrela, a praça Menna Barreto, a galeria de arte nas paredes do prédio da antiga Polar e a outra escadaria, da rua Arnaldo José Diel. O trabalho iniciou em 2015, no governo de Celso Brönstrup.

Neste ano, o Lions Clube de Estrela, em parceria com o governo municipal passou a atuar na preservação do Zigue-zague. Mesmo com o trajeto interrompido pelo prédio da antiga cervejaria, a estrutura ganha atenção do poder público.

“Ele serve para lembrarmos da maneira como viviam nossos antepassados, para apreciarmos a arquitetura da época, compreendermos como circulava a produção realizada no município e como era abastecida nossa cidade com produtos de fora”, destaca o secretário de cultura e turismo Joel Mallmann.

Preservação

Durante o restauro, a parte estrutural foi feita pela prefeitura, com a retirada de postes, reconstrução dos muros conforme a planta original, assim como a pintura de faixas e colocação de placas que proíbem estacionar em frente à escadaria. O município também instalou um painel com a história do Zigue-zague.

“Nós, do Lions Clube, iniciamos a limpeza do espaço, organizamos as floreiras e os canteiros”, destaca a voluntária Wainer Sampaio. O grupo também fez o plantio de mudas de folhagens e flores, assim como a colocação de pedras de cascalho. Além disso, retiraram o limo dos muros e calçadas, e iniciaram a pintura do local.

Hoje, a escadaria conta com câmera de vigilância, iluminação e manutenção da limpeza pelos órgãos públicos. “Nós formaremos equipes para os cuidados com o jardim, plantio de mudas, controle de formigas, podas de árvores”, reforça a última presidente do clube, Clair Firnkes. A pintura será concluída após o fim da reconstrução.

O próximo passo é a restauração de algumas paredes, muro de proteção e uma pintura em 3D do projeto original, para dar a visão de como era o fim da escadaria. Alguns moradores também pedem pela recuperação total do Zigue-zague até a Rua Arnaldo José Diel.

Dia de festa

A cerimônia na tarde de hoje inicia com música e com a fala de autoridades e do Lions Clube. Historiadores também estarão presentes para resgatar a história da escadaria. Ao fim, algumas pessoas serão homenageadas, e será servido um coquetel.

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