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Produtores de leite buscam alternativas para superar crise e manter atividades

Municípios da microrregião que estão entre os maiores produtores do RS enfrentam dificuldades e aguardam por incentivos. Governo federal anuncia medidas para setor, mas pressão sobre o poder público continua

Produtor de Novo Paraíso, em Estrela, Celso Auler pretende encerrar as atividades dentro de três anos. Crédito: Jhon Willian Tedeschi

Aumento nos custos de produção e falta de competitividade. Incentivos a importações em detrimento ao apoio para os trabalhadores locais. São alguns dos desafios para o mercado leiteiro do Rio Grande do Sul, que tem Estrela como 9º maior produtor em valores e Teutônia na 12ª colocação, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

As condições reduziram o número de propriedades no estado nos últimos dois anos – a Emater-RS aponta queda de 18%. De 2015 para cá, mais de 60% da produção foi descontinuada no estado – de mais de 84 mil produtores, o número caiu para cerca de 33 mil no período. Os dados constam no Relatório Socioeconômico da Cadeia Produtiva do Leite, apresentado no fim de agosto na Expointer.

Para tentar garantir a sequência das atividades, o governo federal anunciou na terça-feira, 17, uma mudança na tributação da indústria do leite. O decreto concede incentivos fiscais, como redução de carga tributária e isenções, para fábricas que compram leite in natura dos produtores do país. O objetivo é aumentar o preço do litro do leite, que está entre R$ 2 e R$ 2,15, com possibilidade de até R$ 0,60 de ganho.

Na semana passada, cerca de 800 produtores participaram de um protesto em favor da cadeia leiteira, em Jaguarão, fronteira com o Uruguai. A tendência é que, mesmo com os anúncios feitos pela União, a categoria siga mobilizada para garantir a agilidade na efetivação das medidas.

Cenário desafiador

Na avaliação do diretor-executivo do Sindicato da Indústria de Laticínios do RS (Sindilat), Darlan Palharini, o principal ponto é conseguir produzir de forma competitiva. Ele atribui os subsídios à mercadoria que entra de países do Mercosul como maior entrave para a melhora nos preços do leite. Um acordo de produtores da Argentina com o governo local, por exemplo, garante um pagamento extra para quem produz até 7 mil litros/dia.
Palharini trata a melhora no gerenciamento da produção e a aposta na assistência técnica como alternativas ao momento instável.

“Definir possibilidades de produzir mais, com menos custos”, aponta. Outro ponto que o dirigente menciona como possibilidade de evolução é a forma como produtores lidam com a margem deixada para reposição. “Muitas vezes, o produtor tem um número de cabeças de gado e inclui no cálculo do custo da propriedade, sem considerar que faz parte de um investimento”, acrescenta.

O diretor cita que locais como Argentina e Uruguai mantêm nos tambos (locais onde vacas são ordenhadas) cerca de 85% das vacas em fase de lactação, enquanto no Rio Grande do Sul, a relação chega a menos da metade do plantel. “Isso faz diferença. Quando o produtor fala que o preço baixou, tem que considerar o custo”, pontua.

Por outro lado, Palharini comenta que a margem de resultados diminuiu, sobretudo para os pequenos produtores. “Quem tem abaixo de 500 litros por dia, tem mais dificuldades.” E menciona um estudo da Emater, que indica uma tendência nos últimos 10 anos das propriedades com menor produção serem desativadas. “É uma discussão extensa. Precisamos de políticas públicas para manter e incentivar o produtor.”
Contagem regressiva

Na localidade de Novo Paraíso, em Estrela, Celso Auler, 57, se prepara para deixar a produção de leite. Ele conta que, quando completar 60 anos, vai parar de investir na área que mantém desde 2010. Entre os motivos, a baixa rentabilidade e o indicativo de que não haverá sucessão na propriedade. A filha única, de 28 anos, auxilia de forma pontual, mas sem perspectiva de seguir as atividades. “Não tem porquê dar sequência, se não compensar”, lamenta.

A propriedade possui 35 cabeças de gado, que rendem cerca de 720 litros por dia. “Já tivemos produtividade de 870, 900 litros por dia. Mas, se tiver problemas com a vaca, pode descartar.” Auler aponta que o custo de uma vaca chega até R$ 10 mil, mas caso precise vender, não consegue repassar por mais de R$ 3 mil. “Quem tira produção, com certeza não recoloca”, diz.

Auler relata o desânimo causado pela incerteza de obter retorno. Em agosto do ano passado, ele lembra que vendia o litro do leite a R$ 3,70, enquanto o preço atual está em R$ 1,80 – considerando o custo de R$ 2,20, há um prejuízo de pelo menos R$ 0,40 por litro. E menciona ainda o alto investimento para começar as atividades. “Chutando baixo, com menos de R$ 1 milhão nem começa.”

O produtor também atribui as dificuldades à importação e ao uso de leite em pó e reforça a esperança de um olhar mais atento do poder público sobre a situação que, no entendimento dele, prejudica os menores produtores. E conclui que não há garantias de bonificação, sequer um complemento aos prejuízos causados pelo desequilíbrio entre custo de produção e preço de venda. “Não temos auxílio do poder público nesse sentido.”

Entrevista – Fernanda Sindelar, economista

“É importante viabilizar a redução de custos”

Jornal Nova Geração: Quais fatores econômicos contribuíram para a crise na produção de leite no Brasil?
Fernanda Sindelar: A crise no setor leiteiro já vem de muitos anos, sendo agravada no período recente em função do aumento dos custos de produção e do ingresso de leite importado de outros países do Mercosul que pagam subsídios aos seus produtores. Com isso, o leite importado é mais barato que o nacional, tornando a concorrência desleal em muitos casos. Além disso, esse leite ingressa no país sem nenhuma tarifa, conforme estipulado no acordo de livre comércio do Mercosul. Os produtores domésticos, por sua vez, recebem menores valores pela sua produção, mesmo tendo tido seus custos elevados, desmotivando a continuidade da atividade, o que por sua vez acaba reduzindo o número de produtores dedicados a atividade.

NG: Como as políticas governamentais afetaram a indústria de laticínios no Brasil?
Fernanda: Os produtores defendem a necessidade de políticas específicas para auxiliar o setor. Há vários grupos de trabalho interministeriais em conjunto com entidades representativas propondo o desenvolvimento de políticas públicas que possam minimizar os efeitos da crise, tais como a criação de linhas de crédito para refinanciamento de dívidas, aumento de crédito de PIS/Cofins para compra de insumos, criação de um fundo social para o desenvolvimento da cadeia produtiva, entre outros. A produção de leite sempre foi considerada uma fonte importante de renda para a agricultura familiar, no entanto, na atual conjuntura, esses pequenos agricultores estão deixando suas atividades produtivas, implicando em êxodo rural, o que também preocupa na questão de renda e sobrevivência destes produtores.

NG: Quais estratégias econômicas podem ser adotadas para reverter a queda na produção de leite?
Fernanda: Para melhorar a produção de leite, é importante viabilizar a redução de custos, ou melhorar o preço pago, de modo que o produtor rural consiga viabilizar a sua produção e não incorra em prejuízos. Os principais custos da atividade estão associados a alimentação dos animais, aspectos de sanidade e reprodução, combustíveis, mão de obra, sendo que muitas destes enquadram-se em grupos de commodities com preços fixados internacionalmente. Desde o início da pandemia do Covid + Guerra Rússia x Ucrânia esses preços dispararam, por isso, destaca-se a importância do desenvolvimento de políticas públicas que amenizem a situação. Quanto ao preço pago, este é definido pelo mercado de oferta x demanda – quanto maior a oferta para a demanda, menores os preços, e é nesta questão que impacta o elevado volume de importações. As importações tem contribuído para a redução dos preços, logo os produtores defendem a necessidade de rever o acordo do Mercosul ou rever as políticas internas para melhorar a competitividade dos produtores locais.

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