Um filme que se repete a cada dia. Congestionamentos no começo da manhã, à tarde e até durante a noite. Lentidão em um dos pontos de maior movimento na região. Reflexo direto em vias urbanas. O bloqueio da ponte sobre o Arroio Boa Vista, na BR-386, em virtude das avarias sofridas na enchente de maio, impacta na rotina da população. E gera indignação pelo descaso.
Sem uma posição concreta da CCR ViaSul, concessionária da rodovia, quanto ao cronograma de obras no local e a perspectiva de liberação total do trecho, o cenário fica a cada dia mais crítico. Prejuízos e transtornos a trabalhadores e empresas se multiplicam. E a paciência da comunidade, que já estava no limite por conta do atraso na duplicação, se esgota de vez.
No âmbito público, gestores municipais também perderam a paciência. Novo presidente da Associação dos Municípios do Vale do Taquari (Amvat), o prefeito de Bom Retiro do Sul, Edmilson Busatto, coloca como uma das prioridades de seu mandato a busca por soluções à 386. Também promete elevar o tom nas cobranças à CCR.
Busatto tomou posse na segunda-feira e, em uma de suas falas aos prefeitos da região, destacou a importância de “marcar posição” nos debates com a concessionária. “Não dá para continuar dessa forma. Vamos pressionar, de forma unida. A começar por essa situação da ponte do Arroio Boa Vista”, frisa.
As críticas de Busatto também se estendem à Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT), responsável pela fiscalização do contrato de concessão da BR. “Tenho o entendimento de que mudanças no contrato devem vir de cima para baixo. Mas infelizmente eles têm sido um órgão defensor da CCR”.
Relação dificultada
Por muito tempo, prefeitos da região tinham uma relação próxima ou, no mínimo, cordial com diretores da CCR ViaSul. Foi assim até meados de 2023, quando ocorreu a primeira paralisação nas obras de duplicação da BR-386. A partir daquele momento, iniciou-se um distanciamento. Hoje, a abertura é mínima.
“Essa empresa, legitimamente, venceu o leilão para administrar e investir na BR. Mas, quem são eles? Essa empresa tinha uma estrutura de pessoas que nós conhecíamos e, de uma hora para outra, dispensaram a maioria desses profissionais. Afinal, ela não está nem aí para o Vale do Taquari”, lamenta o prefeito de Estrela, Elmar Schneider.
Em uma reunião recente com representantes da CCR, Schneider destacou a necessidade da empresa destinar um gerente regional ou mesmo um interlocutor para cuidar de assuntos relacionados ao trecho da BR-386 no Vale. Sem sucesso. “Não tivemos nem uma resposta. Está na hora de conhecermos um pouco mais dessa empresa”.
Inaceitável
No setor logístico, os efeitos negativos do bloqueio na ponte são sentidos diariamente. O diretor de Infraestrutura e Logística da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços do Vale do Taquari (CIC-VT), Diego Tomasi, define a situação como “inaceitável”, ainda mais depois de todos os esforços feitos para liberação do trânsito na ponte sobre o Rio Taquari.
“Estão deixando a sociedade sofrer todos os dias com grandes congestionamentos. Muitas pessoas moram em uma cidade e trabalham em outra. É um transtorno enorme, pois acabam chegando atrasadas no trabalho ou precisam sair de casa muito cedo. Poderiam estar produzindo ou descansando, mas estão trancados no trânsito”, realça.
Para Tomasi, o principal motivo de indignação é a falta de uma ação efetiva da CCR para resolução do problema. “Onde estão os engenheiros, os responsáveis para nos dar a informação do que está ocorrendo? Se é um problema gravíssimo, que expliquem à sociedade. Esta falta de informações técnicas nos revolta”.
Na justiça
Em outra ponta da BR-386, problemas nos acessos levaram o governo de Marques de Souza a acionar o Ministério Público Federal (MPF). Segundo o prefeito Fábio Mertz, o município cansou de esperar por um retorno da CCR aos pleitos da comunidade, como a manutenção das vias laterais e a situação caótica do trevo principal.
“Estava mais do que na hora de irmos por outra instância. Foram mais de 30 reuniões desde o começo do nosso mandato. Olham apenas para cima das pistas, e as vias marginais, que estão dentro da faixa de domínio, são esquecidas. É um descaso total”, lamenta.
Também motivou a judicialização, conforme Mertz, o drama envolvendo motoristas que ficaram trancados na BR durante o ápice dos deslizamentos.”Simplesmente ignoraram e deixaram as pessoas à deriva. Não deram uma forma de suporte e procrastinaram a liberação da pista”.
O MPF pediu a suspensão da cobrança de pedágio na rodovia, com base na representação de Marques de Souza, “pelo tempo necessário a conclusão das obras de restauração da rodovia, com o restabelecimento normal da trafegabilidade”. A Justiça Federal deu prazo de 72 horas – a contar de segunda-feira – para CCR e ANTT se manifestarem sobre a situação.
Sem retorno
- Procurada pela reportagem, a CCR ViaSul, por meio da assessoria de imprensa, informa que ainda não tem uma atualização sobre o cronograma de obras na ponte sobre o Arroio Boa Vista;
- Na semana passada, a concessionária chegou a informar que ocorreriam obras no trecho. Contudo, a reportagem, ao cruzar a rodovia, constatou a ausência de máquinas e trabalhadores;
- Quanto ao pedido para suspensão da cobrança de pedágio, afirma que não se manifestam sobre ações ou decisões judiciais.