Entre as décadas de 1940 e 1950, Maria Dresch, de 94 anos, passava em frente da casa de Lorena da Rosa Fiel, de 88, para irem ao cinema. As duas moravam na localidade de Passo de Estrela, área que hoje pertence a Cruzeiro do Sul, e atravessavam o Rio Taquari de lancha ou barco. A pé, faziam o trajeto da Escadaria até o Cine Guarany.
Na época, o cinema estrelense era a principal atividade de lazer e reunia jovens e famílias na Praça Menna Barreto. “Tomávamos picolé antes ou depois da sessão. Sempre tinha bastante gente na praça. O cinema abria aos sábados à noite, mas costumávamos ir no domingo à tarde, pois ficava perigoso atravessar o rio no escuro”, relembra Maria.
Os filmes que marcaram envolviam romance, sem violência ou drogas. O custo que as amigas tinham era com o transporte pelo rio e o ingresso. “A moeda era Cruzeiro, não tão caro como agora. Assistimos várias histórias de amor. Hoje em dia, não existem filmes como os de antigamente”, conta Lorena.
Televisão
Com mais de 70 anos de amizade, as duas ficaram tristes quando o Cine Guarany parou de funcionar, em 1980. “Eu largava tudo para ir ao cinema. Da missa, ia para lá e fazíamos o programa completo. Percebemos que não ia mais tanta gente e a televisão foi criada. Esses motivos levaram ao fechamento, o que nos entristeceu”, afirma Maria.
Moradoras do Centro de Estrela, as amigas concordam que deveria ser investido novamente em cinema no município. “Precisamos fazer uma campanha para criar algo para as pessoas de idade, um lazer. Um cinema aqui seria tão bom”, sugere a idosa de 94 anos.
No passado
A história cinematográfica em Estrela começa em 1912, com o primeiro registro documentado de exibição no município e no Vale. No Pavilhão da Praça Benjamin Constant, atual Praça Menna Barreto, funcionou o primeiro cinema. Albino Bohrer comandou o espaço. Conforme o coordenador do Memorial de Estrela, Airton Engster dos Santos, no local também havia concertos, teatro e programações artísticas, como bailado, declamações de poesias e sessões de homenagens a pessoas e datas cívicas.
Em 1926, o jornal “O Paladino” divulgou o Cinema Estrelense, da Empresa Ruschel & Müssnich. Nas edições seguintes, a empresa se identificava como Cine Estrelense. “Com os anos, o maquinário foi se aperfeiçoando. Os filmes tiveram maior metragem e foram melhores apresentados, o que atraiu mais público”, explica. A Sociedade Ginástica comprou de Ruschel & Müssnich o cinema, em 1929. As exibições dos filmes passaram para a Soges.
(Fotos: divulgação)
Prédio no Centro
Já o Cine Guarany se estabeleceu em 1934 e Ivo Bergesch assumiu a direção em 1950. Dois anos depois, inaugurou uma sala moderna, com equipamentos da Alemanha. “Um dos primeiros filmes foi O Cangaceiro, com atuação do ator estrelense Alberto Ruschel”, salienta. O prédio do antigo cinema, na Rua Marechal Floriano, no Centro, ainda marca os áureos tempos da sétima arte na cidade.
Do presente ao futuro
Em 2020, Estrela promoveu um festival drive-in pioneiro no RS. Em média, 120 veículos participaram por dia das sessões de cinema. Conforme a secretária de Cultura, Esporte e Lazer (Secel), Carine Schwingel, quem quer ter o “gosto” de reviver estes momentos pode ir até o Memorial de Estrela. Lá há uma smart board, TV que se assemelha a um ambiente de cinema. “Foi pensado e montado para reproduzir o momento que se tinha antes. Inclusive, é transmitido os filmes do estrelense Ruschel”, adianta. A Administração Municipal ainda trabalha em projetos do contexto cinematográfico. “Queremos fazer a projeção de materiais nas paredes da Polar e exposições na Escadaria”, adianta.
Mostra Itinerante
O Memorial de Estrela abriu, nesta semana, a Mostra Itinerante Cine Guarany, com diversos itens sobre o local que marcou a vida de muitos estrelenses. O visitante encontra ainda um painel do famoso ator Alberto Ruschel, além de projetores e filmadoras Super 8.
