Serafim Garcia dos Santos, 86 anos, está no Ginásio Municipal Ito João Snel há cerca de um mês, quando a enchente do Rio Taquari danificou sua casa e o fez perder tudo. Morador de Estrela desde os 17 anos de idade, ele ainda tem lembranças da enchente que ocorreu em 1954, quando chegou ao município. “A água me trouxe até aqui. Quase que a água me levou embora. Mas eu estou aqui, tem gente para me ajudar, e isso é bom”, argumenta.
Apesar de toda a situação em que se encontra, ele sorri e conversa bastante com outras pessoas no local. Ainda estão no ginásio os que não conseguiram uma alternativa depois de terem perdido a moradia e os pertences durante a enchente.
Entretanto, sobre a ajuda, o idoso não fala apenas do governo municipal ou de doações. Um pequeno grupo de voluntários decidiu ajudar os idosos que moravam sozinhos e, diante do acontecido, têm menos condições de retomar a vida. Eles levam ajuda a pessoas como Serafim, que não têm nem mesmo parentes que possam visitá-los diariamente.
As duas casas, no mesmo terreno, abrigavam Serafim e o filho, no bairro Oriental. Ambos tiveram perdas significativas. O filho, agora, trabalha na limpeza e nas reformas necessárias para que a vida possa voltar à normalidade. Nesse período, são os voluntários que trazem conforto e buscam recursos para que a situação dure o mínimo possível.
Empatia e reciprocidade
Tudo começou a partir da coordenadora da Secretaria de Turismo, Cultura, Esporte e Lazer de Estrela, Sandra Ahlert. Ao liderar os esforços dos servidores no ginásio desde o momento em que a água começou a baixar, ela percebeu que algumas pessoas precisavam de ajuda externa. “O Adote um Vovô começou para intervir em situações mais complexas. Nem todo mundo tem uma família extensa que pode ajudar a recomeçar a vida”, afirma.
Depois que uma agência de publicidade fez um trabalho voluntário para divulgar a iniciativa, algumas pessoas passaram a fazer parte do projeto. Além da ajuda para conseguir itens para a casa dos idosos que moravam sozinhos, elas prestam serviços para que a vida deles possa ser reorganizada, com o translado a bancos, organização de vaquinhas online e outras ações que possam deixá-los mais à vontade, mesmo na situação em que se encontram.
Rosângela* veio falar com a coordenadora logo que soube da questão. Se encarrega de um dos idosos no ginásio na busca por documentos, bem-estar e qualidade de vida. “Eles precisam de mais do que recursos, mas de alguém que olhe para eles com dignidade, empatia, respeito e doe, além de tudo, atenção e amor”, opina.
A voluntária lembra que ainda há pessoas de idade avançada sem a devida atenção após as enchentes. “Pude conhecer uma pessoa sensacional e cheia de positividade que tanto me ensina e me faz refletir o quanto a vida é rara.”
Cristina* atua no auxílio aos atingidos pela enchente desde a noite de 5 de setembro. Ela não esquece da cena que viu naquele dia. “Os idosos, molhados e muito assustados, sem nada nas mãos. Saíram de casa só com a roupa do corpo. Não conhecia nenhum deles antes”, lembra.
A ajuda também vem da própria comunidade que se formou entre os desabrigados no ginásio. A venezuelana Luisa de Zambrano ajuda Serafim em diversas tarefas no lar temporário, em especial para que ele não deixe de tomar remédios de uso contínuo nos horários corretos. Para ela, vale a pena fazer isso para que, quando ela e outras pessoas chegarem à velhice, possam também ser ajudadas. “Eu também tenho um avô em estado terminal, lá em meu país. Minha mãe cuida dele. Eu vi no Serafim uma forma de fazer o mesmo, apesar de estar longe”, fala, emocionada.
Lembranças e otimismo
Oscar Closs, de 70 anos, foi levado ao barbeiro para ficar mais “ajeitado”. Ele mora em Estrela há sete anos. Veio ao município para cuidar da mãe doente, falecida há dez meses. “Eu lembro da enchente de 2020. A água, claro, não subiu tanto, mas a velhinha insistia em levantar da cama e atravessar a água para tomar um café”, lembra.
Natural de Montenegro, ele se mostra agradecido e otimista. “Trabalhei desde cedo, em roça e olaria. Sempre tive muita força”, diz. Apesar de ter perdido tudo o que tinha no espaço onde morava, no primeiro andar de uma casa de dois pisos, Oscar aponta que não falta tanto quanto parece. “Temos comida, temos essas pessoas nos ajudando. Só quero ir para um lugar onde possa levar minhas cachorras. São tudo o que tenho. Não posso deixá-las para trás.”
*Voluntários que falaram na condição de anonimato. Os nomes exibidos são fictícios.